08/12/2012

os tais direitos autorais

Obra de tradução porta direitos de autor. Isso é assente e indiscutível, e a lei que dispõe sobre o tema é a LDA 9610/98, disponível aqui.

Pois bem: você faz uma tradução, por iniciativa própria ou por encomenda. Essa obra de tradução é de propriedade sua, como um bem móvel qualquer. Para que uma editora possa publicá-la, você precisa transferir seus direitos sobre ela. Existem basicamente duas modalidades de transferência de seus direitos: ou por licença de uso ou por cessão. A licença de uso é, mal comparando, um empréstimo (se for uma licença gratuita) ou um aluguel (se for onerosa), e é por definição por tempo limitado e geralmente parcial. Já a cessão seria como uma doação, se for gratuita, ou como uma venda, se for onerosa. A cessão é em caráter definitivo, e pode ser parcial ou, mais habitualmente, total. A modalidade dominante em editoras - mas não, de maneira nenhuma, exclusiva - é a cessão. O instrumento por meio do qual se dá essa transferência de seus direitos sobre sua tradução para a editora que vai publicá-la é um contrato de edição chamado Contrato de Cessão de Direitos Autorais (CCDA).

Evidentemente, na imensa maioria dos casos essa cessão será onerosa, ou seja, você receberá uma retribuição monetária ao ceder seus direitos sobre sua obra de tradução.

E como se dá essa retribuição? Também pode variar: pode ser um determinado valor fechado, previamente combinado entre as partes; pode ser um valor por lauda (de que já falamos antes); pode ser um percentual sobre as vendas do livro publicado; pode ser um misto, um valor por lauda mais um determinado percentual sobre as vendas. Qualquer uma dessas formas de retribuição diz respeito a seus direitos autorais sobre a obra.

Foi por isso que eu disse que há um equívoco conceitual na tabela do Sintra, ao sugerir um valor X por lauda, "sem contar os direitos autorais". Ora, toda retribuição num contrato de transferência dos direitos de autor se refere necessariamente aos tais direitos autorais.

Ocorre que muita gente diz: "traduzo, a editora me paga, mas não recebo direitos autorais". De onde vem essa confusão? De duas fontes. A primeira delas, a identificação (errônea) entre direitos autorais e percentual sobre as vendas. A segunda fonte de confusão, e mais de fundo, é supor que, quando você faz uma tradução por encomenda de uma editora, você está prestando um serviço e não criando uma obra de tradução. Como se sua tradução fosse obra autoral apenas se você a tivesse feito por iniciativa própria, ao passo que, a pedido da editora, tratar-se-ia de um serviço. No caso da tabela do Sintra, as coisas se misturam ainda mais: o valor sugerido por lauda corresponderia à remuneração por uma prestação de serviços, enquanto os direitos autorais (entendidos como percentual sobre as vendas) teriam de ser adicionados à parte. Isso não tem base legal e é misturar alhos com bugalhos, contrato de transferência de direitos com nota fiscal de prestação de serviços ou recibo de pagamento a autônomo (RPA), bem móvel com serviço, obra autoral com empreita.

Em linhas gerais, assim é atualmente. Há alguns complicadores, mas não vamos entrar nisso agora. Cabe notar, porém, que na proposta de revisão da LDA atualmente em curso aventa-se a criação de um título específico dedicado às obras sob encomenda - se for aprovada, o quadro mudará um pouco. Mas, por ora, está valendo a LDA 9610/98, com os direitos autorais sobre a obra pertencendo ao tradutor e com o contrato de direitos autorais como instrumento da relação jurídica entre as partes.

Em tempo: salvo raras exceções, os contratos de cessão usados pelas editoras muitas vezes são escorchantes, leoninos, com cláusulas francamente abusivas. Mas esta é outra história.