18/01/2014

não é bem assim

a dupla matéria sobre tradução e tradutores que saiu no caderno G, da gazeta do povo de hoje, é legal, a meu ver, porque fala de nossa atividade, e nosso ofício merece e precisa ser conhecido pelos leitores: disponível aqui.

mas creio que o enfoque da jornalista não reflete bem a realidade editorial e a atividade do tradutor, e acaba passando uma ideia que muitos de nós tradutores combatemos arduamente, qual seja: "Um dos fatores que pode colaborar para isso [a frequência de más traduções no mercado] é falta de profissionalização. São poucos os que conseguem sobreviver apenas da tradução".

não é bem assim: o fato é que a jornalista conversou com dez pessoas, das quais apenas duas são tradutoras "profissionais", isto é, pelo que depreendi, aquelas que vivem exclusivamente da atividade de tradução (entre as duas, uma delas sou eu).

mas não é que não existam ou sejam "poucos os que conseguem sobreviver apenas da tradução". mais provavelmente, essa conclusão - a meu ver infundada, no que se refere à tradução editorial como segmento profissional - só aflorou porque a jornalista, entre os critérios de seleção que ela deve ter utilizado para escolher seus dez entrevistados, não incluiu este de "sobreviver apenas de tradução". mesmo os valores citados por lauda não são muito exatos, e eu também discordaria da afirmação "Escolher a obra a ser traduzida é um privilégio" (pois, embora seja verdade que "O mais comum é as editoras indicarem o título", daí não decorre que seja "um privilégio" escolhermos e indicarmos à editora o que queremos traduzir).

em suma, reconheço-me muito pouco na dupla matéria. eu sugeriria que algum veículo da grande imprensa fizesse uma extensa e cuidadosa matéria, como esta do caderno G, mas escolhendo dez tradutores que de fato vivam do ofício de tradução ou nele tenham sua principal fonte de renda. somente assim creio que poderíamos ter um retrato um pouco mais realista de nosso ofício.

em tempo: não é que falte profissionalização ao setor de tradução editorial. o que há é que a profissão de tradutor é reconhecida, mas não regulamentada, o que é muito diferente de lhe "faltar profissionalização".