11/12/2013

"não existe frase fácil", bráulio tavares

Mundo Fantasmo: 3366) A mãe do Estrangeiro (11.12.2013): (foto: J. Henri Lartigue) “Mãe morreu hoje. Ou pode ter sido ontem, sei lá.” É assim que eu traduziria, usando meu estilo pessoal de ...

27/09/2013

a metafísica da tradução, I



eis "o que, no fundo, constitui o eminentemente humano: o ideológico, o cultural, a perspectiva, o desejo (consciente e, principalmente, inconsciente), o finito, o mortal e tudo aquilo que resiste a qualquer pretensão de controle, sistematização ou pré-determinação".
O fato de ser sempre e inevitavelmente uma leitura ou uma interpretação não constitui, entretanto, uma característica peculiar da atividade do tradutor; revela, sim, um traço essencial de toda e qualquer atividade linguística e até mesmo de qualquer atividade humana. Toda tradução revela sua origem numa interpretação exatamente porque o texto de que parte, o chamado "original", somente vive através de uma leitura que será - sempre e necessariamente - também produto da perspectiva e das circunstâncias em que ocorre.
rosemary arrojo, "as questões teóricas da tradução e a desconstrução do logocentrismo: algumas reflexões", in o signo desconstruído. campinas: pontes, 2003.

sinceridade? nem perca tempo com essas coisas. pois, se assim é, assim é e ponto. e se assim não é (como, a meu ver, demonstram cabalmente as intermináveis discussões nos últimos quase três milênios), provavelmente não vai ser você o metafísico de plantão que deslindará a essência ontológica da tradução. o texto está à sua frente e seu compromisso - sempre de ordem prática, digam os teóricos o que disserem - é com ele.

piiiiiiiii VII


quando não souber, não chute.



26/09/2013

seicho-no-iê do tradutor


frase do dia: "não estranhes em demasia os caminhos do mundo".

hokusai, aqui

03/07/2013

seicho-no-iê do tradutor



frase do dia: "não reduzas teu autor a ti; ergue-te e alarga-te a ele"

hokusai, queda d'água

12/04/2013

bons conselhos

o editor william campos da cruz, que conhece bem os dramas de tradução e lida diariamente com os ossos do oficio, dá conselhos valiosos aos aspirantes e iniciantes em tradução em seu artigo sobre o ofício do tradutor, aqui.

30/03/2013

matéria para reflexão

uma vez, encomendaram-me a tradução de um livro desses de teoria e ciências humanas, que são mais minha área. já havia uma tradução anterior do mesmo livro, lançada uns vinte ou trinta anos antes. avisei a editora e perguntei se ela queria que eu consultasse a edição antiga. ela parou, pensou uns dois segundos e respondeu: "não, melhor não, senão perde a espontaneidade".

03/03/2013

ah, esses anônimos...

nestes últimos dias, este blog recebeu duas mensagens anônimas de tom ressentido. acho que a pessoa não entendeu bem o que venho dizendo neste blog: insisti algumas vezes que é importante ter contatos no mundo editorial, até para conseguir um teste. dei a mim mesma como exemplo.

infelizmente, esse anônimo, ao que parece, continua a não entender bem o teor dos posts aqui publicados. fica então mais este piiiiiii de alerta a iniciantes e aspirantes: se você tiver ocasião de fazer um teste ou receber um livro para traduzir, certifique-se ao máximo possível de que entende o que está escrito no texto. do contrário, suas chances de fazer uma tradução aceitável podem se reduzir bastante.

28/02/2013

piiiiiiiii VI

caro amiguinho, iniciante ou aspirante à tradução: ame a palavra. leia benveniste, por exemplo (eu gosto) - ou os clássicos do judaísmo, ou os hermeneutas do século XV. você encontrará substância rica, densa, com elementos muito, muitíssimo mais pertinentes do que esse fetichismo barato do tal do contexto que, se te apertarem, você nem vai saber dizer o que é e vai invocar dez mil coisas diferentes, desde a mais trivial construção sintática de uma frase até uma cosmologia qualquer na qual você mesmo se perde.

encontre seu coração. se você quer traduzir, se você acha que gosta de traduzir, é porque em algum lugar de teu íntimo você ama a palavra. o resto é o resto.

quanto à generalização barata a que foi submetido o pobre do "contexto", veja aqui.

"contexto"

atualmente tenho visto o termo "contexto" lançado a torto e a direito em análises e comentários sobre tradução, com uma ampla e indiscriminada prodigalidade e com um grau de indefinição que o transforma em praticamente qualquer coisa que não seja uma determinada palavra ou expressão em pauta.

nesse âmbito variegado, o "contexto" pode ser a frase em que uma determinada palavra ou expressão está inserida, pode ser o assunto de que trata o texto onde ela está inserida, pode ser a carga conotativa do termo na época em que o autor escreveu, pode ser a cultura em que viveu o autor, pode ser a época literária em que se inseria aquela obra, pode ser a história em que se insere aquele léxico ou mesmo aquele conceito, pode ser, mais rasteiramente, a finalidade a que se destina aquele texto no presente - em suma, qualquer coisa, intra, extra, inter, supra, infra, trans, ad.

por isso, quando ouço ou leio a palavra "contexto", usada como uma varinha de condão - "depende do contexto", "qual é o contexto?", "ah, mas o contexto!" -, sinto alguns arrepios. a generalidade, a generalização, aliás, costuma mesmo me dar alguns arrepios. contexto? de que contexto, afinal, está-se falando quando se fala em contexto?

esta é minha primeira birra, e a principal, que tenho contra essa vaguidade, esse amplo campo vazio a que se atiram todas e quaisquer perguntas, dúvidas, interesses e curiosidades. é uma birra de abrangência tão ampla quanto a do atual uso insciente e indiscriminado da palavra "contexto".

tenho algumas outras birras, bem mais específicas, que nem vêm muito ao caso, pois pertencem a uma esfera de reflexões um pouco mais, digamos, particularizadas sobre as questões de sentido.

de todo modo, para dar o contexto da noção de contexto, até para entender um pouco melhor o que isso significa e como essa noção se desprende de seu próprio "contexto", eu sugeriria a consulta às fontes, à gênese mesma do conceito: malinowski, com seu "contexto de uso". tendo isso como base, fica mais fácil acompanhar a ampliação do conceito, a perda de sua especificidade e a facilidade com que agora abriga qualquer coisa ou o fetichismo que o leva a ser visto como uma espécie de fórmula mágica.

na prática, IV


tsc, tsc

take your time; não se apresse. se a rapidez lhe vem naturalmente, ótimo; mas o mais importante é ansiedade zero.

23/02/2013

na prática, III


ao traduzir, o que você vê quando lê?

22/02/2013

na prática, II

continuando com exemplos práticos, para tentar observar o tipo de construção da narrativa, ainda com mrs dalloway:

Outra coisa que me parece encantadora é a liberalidade com que Woolf usa as várias formas do gerúndio. Esse trechinho aqui achei especial:
Rezia, sitting at the table twisting a hat in her hands, watched him; saw him smiling. He was happy then. But she could not bear to see him smiling. It was not marriage; it was not being one’s husband to look strange like that, always to be starting, laughing, sitting hour after hour silent, or clutching her and telling her to write. 
Mais um trechinho que achei um encanto, tremendamente reforçado com a profusão de adjetivos e advérbios de modo, é quando Elizabeth está passeando de ônibus:
for a pirate it was, reckless, unscrupulous, bearing down ruthlessly, circumventing dangerously, boldly snatching a passenger, or ignoring a passenger, squeezing eel-like and arrogant in between, and then rushing insolently all sails spread up Whitehall. 
muito bonito isso aqui:  bearing down ruthlessly, circumventing dangerously, boldly snatching a passenger, sobretudo quando o segundo advérbio posposto praticamente se cola ao seguinte, anteposto ao verbo.

na prática, I

comentei em algum lugar que, para mim, o mais importante é conseguir entender o texto, isto é, tentar reconstituir o tipo de estruturação narrativa e sobretudo estilística que dá sustentação ao discurso. dou um exemplo que transcrevo do blog que montei enquanto fazia a tradução de mrs. dalloway, aqui:
Que frase linda! É dentro da igreja, da abadia de Westminster, um fiel que acabou de rezar, quer sair e tem de passar pelo banco, e Miss Kilman, preceptora de Elizabeth, filha de Clarissa, está ali rezando na ponta do banco por onde o homem quer sair. Ela não cede logo a passagem e ele fica esperando:
But, as he stood gazing about him, at the white marbles, grey window panes, and accumulated treasures (for he was extremely proud of the Abbey), her largeness, robustness, and power as she sat there shifting her knees from time to time (it was so rough the approach to her God — so tough her desires) impressed him, as they had impressed Mrs. Dalloway (she could not get the thought of her out of her mind that afternoon), the Rev. Edward Whittaker, and Elizabeth too.
Note-se a quantidade de interpolações entre parênteses, três vezes no mesmo período! O equilíbrio e o paralelismo: além das três interpolações, três elementos (adjetivados) da igreja, três elementos (simples) de Miss Kilman, três elementos (nominais) ao final do período.
O detalhe flaubertiano: shifting her knees; a linda assonância de rough/tough nas duas construções em paralelo; a proximidade dos dois impressed, que quase se juntam, um no final da longa oração, outro no começo da próxima: impressed him, as they had impressed. Essa capacidade de fazer tudo o que está no período confluir para um ponto, o qual então se revela central - puxando o começo e puxando o fim para se encontrarem no impressed duplicado: é soberbo!
E como a ligação, ou melhor, a sucessão nuclear dos dois impressed permite que o texto passe do homem e do interior para outras pessoas - três também, note-se - e para o exterior: o foco que sai do zoom e se abre. E aquele too sozinho, no final do período, tão descendente, tão parco e definitivo em seu aparente anticlímax! 
E as imagens? Que Miss Kilman mexa os joelhos, como que incomodada com a dureza, a aspereza do caminho... E os dois her praticamente seguidos, um referente a Clarissa e outro a Miss Kilman, the thought of her out of her mind! É tudo muito elaborado.
(afterthought: a insistência no três terá alguma conotação trinitarista, dado o contexto da cena dentro da abadia?)
e o que resulta de toda essa composição tão elaborada, como descrição emocional e psicológica dos personagens e para a visualização do leitor? não é espantoso?

20/02/2013

o outro lado III: custos

Você olha o preço de capa de um livro e acha que as editoras ganham os tubos. Grandes grupos ganham, claro, mas mais no volume do que necessariamente no preço.

Isso é de conhecimento geral, mas só para ficar registrado aqui neste blogue. Um cálculo dos custos e da composição do preço, bastante simples, mas razoavelmente preciso e que é utilizado em muitas editoras, é o seguinte (foi-me fornecido por uma editora muito séria, de porte médio, há cerca de quarenta anos na praça):
Os custos de um livro são os seguintes: gráfica e papel: 50%; editoração (capa, paginação e arquivo): 20%; tradução: 30%. O livro é vendido ou consignado à livraria por X, a preço de capa de 2X, ou seja, 50% fica para a livraria.
No caso de obra em domínio público, não se paga direito autoral, mas, caso o original não esteja em domínio público, deve ser incluído um percentual de 20% para compor o preço final. Na realidade, em termos de custos, é 10%, mas, como o livro é vendido com 50% de desconto para os livreiros, os 10% do preço final correspondem a 20% da metade.
Naturalmente, neste esboço falta a margem de lucro da editora, sem falar do preço de aquisição dos direitos de publicação a 10%, pois sabemos que em muitos casos o valor pago à editora original chega a ser astronômico. Em todo caso, é uma média que se aplica a grande parte dos casos.

Note-se que, no esquema acima, o custo de tradução está lançado a 30%, mas sei que algumas das editoras com as quais trabalho lançam a 25%. E certamente há variações de editora para editora, de edição para edição e assim por diante. O que quero dizer é que, de uma maneira ou outra, com maiores ou menores discrepâncias, o item mais oneroso no editorial é a tradução.

Acho importante desmistificar uma ideia que às vezes vejo por aí, de que as editoras são entidades benemerentes que deveriam atender aos caprichos de tradutores meio despistados ou que todas elas são empresas entregues à pura ganância e ao mais selvagem capitalismo. Não creio que seja uma visão sequer aproximada do que conheço do mundo editorial. Editoras não são vilãs, em sua maioria. Vilãs são as fraudadoras, claro; as que roubam traduções alheias, as que não colocam créditos de tradução, as que obrigam os tradutores a assinar contratos abrindo mão do direito ao nome, as que jogam o preço da lauda lá embaixo e coisas do gênero.

o outro lado II: quanto tempo

Você sabe qual é a estimativa do tempo de giro de uma edição com tiragem padrão de 3 mil exemplares? E digo estimativa formal, de cálculo de planilha da empresa. Não? Dezoito meses. E isso é apenas uma estimativa média para o cálculo do tempo de retorno do capital investido. Muitas edições levam de três a cinco anos, outras simplesmente encalham. E a empresa não pode parar, senão some do mercado.

o outro lado I: um em dez

Aliás, espero que seja de conhecimento geral que, em suas planilhas, as editoras calculam que, de dez livros publicados e numa média geral, nove não se pagam e é o décimo que tem de cobrir seus próprios custos, o déficit dos outros nove e dar lucro para a empresa.

O leigo há de arregalar os olhos e perguntar: ué, mas por quê? Porque uma editora não pode parar. Além de ter de manter todo o operacional da empresa funcionando, tem de garantir perpetuamente seu espaço nas livrarias, entre outras coisas.

O leigo continua de olho arregalado e pergunta: mas então por que não publica só best-seller? Porque best-seller não cai do céu, ué. E a grande maioria do catálogo de uma editora ou é de fundo ou é de risco, sacou?

19/01/2013

saber aprender


um texto muito legal de daniel argolo estill: remando, aqui.

16/01/2013

treinando o raciocínio lógico



conheço uma quantidade enorme de tradutores editoriais que adoram um sudokuzinho.  

e você, gosta?


08/01/2013

piiiiii V


imagem: aqui

"... eu senti a necessidade de explorar a vida como outra pessoa, mas eu sei que eu só poderia fazer esse trabalho se eu sentisse que não há escolha... Eu espero que isso faça sentido, Steven. Eu estou feliz por ser você quem está fazendo o filme, eu te desejo força para isso, e eu envio a você meus votos de felicidade" - aqui.


05/01/2013

piiiiii IV

Record, o maior grupo editorial do país, decide adotar "um  modelo ao qual pretende recorrer com frequência: convidar tradutores que não sejam profissionais na tradução, mas especialistas nos temas dos livros". Acho que é meio disso que estamos falando e de te [nos] fabula narratur.

Notícia aqui.

03/01/2013

piiiiii III

Gente, o que é isso?

Reclamação constante nas editoras: atraso e descumprimento dos prazos, seja por parte de tradutor, de preparador ou de revisor.

Não pode, não pode e não pode. Entendido? Entendido.


chefes

Quem veio acompanhando minhas memórias revisórias deve ter notado que sempre menciono meus antigos chefes e como sou grata a eles.

Talvez hoje em dia nem todos os revisores e preparadores trabalhem diretamente sob um chefe, como uma figura ao vivo, aquela pessoa de carne e osso a teu lado, ensinando, orientando e fazendo junto as tarefas. Por incrível que pareça e contra a infinidade de charges e caricaturas, chefes costumam ser muito legais: até porque, imagino eu, são os primeiros interessados em treinar bem os novatos, em manter uma equipe eficiente, em poder contar com um serviço bem feito.

Hoje em dia, também, ouço muito falarem em oficinas e workshops. Vejo muito, por exemplo, "oficina de tradução": um evento de dois ou três dias, em que um tradutor mais experiente discorre sobre sua experiência e dá exemplos práticos aos participantes. Ou uma cadeira na faculdade em que, durante algumas horas duas ou três vezes por semana, o professor dá textos para os alunos praticarem tradução ou manda fazerem em casa e depois analisa, avalia, comenta em sala de aula (imagino eu).

Outro dia fiquei pensando como o papel de um mestre numa oficina-oficina é semelhante ao de um chefe num departamento editorial de décadas atrás. Hoje é bem diferente, pois a maior parte do processo editorial (preparação, revisão, diagramação etc.) é feita fora, em agências, por freelancers, em casa, com arquivos digitais e assim por diante. Aí não sei bem como se dá a formação prática e o desenvolvimento da capacitação profissional da pessoa.

E fiquei pensando também na "escola de tradutores" do Rónai e como ele deplorava a impossibilidade prática de se ter uma oficina efetiva, com um mestre que ensinasse o ofício de tradução a seus aprendizes. De fato, se em meados do século passado já era difícil, quem dirá no século XXI - é outra realidade. De todo modo, adorei ter chefes.


02/01/2013

minha carreira de revisora V

Continuando, a Perspectiva foi a editora onde mais gostei de trabalhar em São Paulo. Não era uma linha de montagem como na Abril e, apesar do funcionamento quase caseiro, o ritmo constante e natural do serviço resultava num bom grau de eficiência no editorial.


Já gostava bastante do Rilke, de quem tinha lido A canção de amor e morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke e Cartas a um jovem poeta, naquele voluminho duplo da Globo, com tradução, respectivamente, de Cecília Meirelles e Paulo Rónai. No aniversário daquele ano, 1972, quando completei 18 anos, a querida Alice me deu Elegias de Duíno, na tradução de Dora Ferreira da Silva, que também guardo até hoje com muito carinho.

Aí o bicho-carpinteiro voltou a atacar e fui passear por esse Brasilzão afora. Plínio gentilmente me deu alguns contatos em Belém do Pará, se não me engano, e lá fui eu, cercada de abraços, bons votos e muito carinho do pessoal da editora, com a vaga aberta para quando voltasse. Não lembro em detalhes o que aprendi lá, mas, tirando leitura e marcação de prova, foi praticamente todo o resto.

Depois disso, a vida mudou bastante. No ano seguinte fui parar em Curitiba (nasci lá, mas fui criada em SP), e arranjei um emprego numa pequena gráfica no centro da cidade, para textos e folhetos de publicidade. Era moderninha, e foi onde conheci editoração eletrônica com a impressora IBM. Fazia revisão de folhetos de propaganda e classificados de jornal e aprendi também a fazer paste-up. O dono era o seu Renato, e tinha dois rapazes, todos uma simpatia. Também fiquei pouco tempo, uns dois meses, talvez.

E aí, de 1974 a 1978, fiquei fazendo outras coisas. Apenas em 1979 voltei a trabalhar com revisão, na Fundação Cultural de Curitiba, carinhosamente apelidada de Fucucu.