22/02/2013

na prática, I

comentei em algum lugar que, para mim, o mais importante é conseguir entender o texto, isto é, tentar reconstituir o tipo de estruturação narrativa e sobretudo estilística que dá sustentação ao discurso. dou um exemplo que transcrevo do blog que montei enquanto fazia a tradução de mrs. dalloway, aqui:
Que frase linda! É dentro da igreja, da abadia de Westminster, um fiel que acabou de rezar, quer sair e tem de passar pelo banco, e Miss Kilman, preceptora de Elizabeth, filha de Clarissa, está ali rezando na ponta do banco por onde o homem quer sair. Ela não cede logo a passagem e ele fica esperando:
But, as he stood gazing about him, at the white marbles, grey window panes, and accumulated treasures (for he was extremely proud of the Abbey), her largeness, robustness, and power as she sat there shifting her knees from time to time (it was so rough the approach to her God — so tough her desires) impressed him, as they had impressed Mrs. Dalloway (she could not get the thought of her out of her mind that afternoon), the Rev. Edward Whittaker, and Elizabeth too.
Note-se a quantidade de interpolações entre parênteses, três vezes no mesmo período! O equilíbrio e o paralelismo: além das três interpolações, três elementos (adjetivados) da igreja, três elementos (simples) de Miss Kilman, três elementos (nominais) ao final do período.
O detalhe flaubertiano: shifting her knees; a linda assonância de rough/tough nas duas construções em paralelo; a proximidade dos dois impressed, que quase se juntam, um no final da longa oração, outro no começo da próxima: impressed him, as they had impressed. Essa capacidade de fazer tudo o que está no período confluir para um ponto, o qual então se revela central - puxando o começo e puxando o fim para se encontrarem no impressed duplicado: é soberbo!
E como a ligação, ou melhor, a sucessão nuclear dos dois impressed permite que o texto passe do homem e do interior para outras pessoas - três também, note-se - e para o exterior: o foco que sai do zoom e se abre. E aquele too sozinho, no final do período, tão descendente, tão parco e definitivo em seu aparente anticlímax! 
E as imagens? Que Miss Kilman mexa os joelhos, como que incomodada com a dureza, a aspereza do caminho... E os dois her praticamente seguidos, um referente a Clarissa e outro a Miss Kilman, the thought of her out of her mind! É tudo muito elaborado.
(afterthought: a insistência no três terá alguma conotação trinitarista, dado o contexto da cena dentro da abadia?)
e o que resulta de toda essa composição tão elaborada, como descrição emocional e psicológica dos personagens e para a visualização do leitor? não é espantoso?