05/04/2014

o que faço?


estou traduzindo um livro de terry eagleton, chamado how to read literature. o autor dedica nada menos que seis páginas de comentários e análises a um poemeto infantil, uma nursery rhyme, como dizem, bem antigo e muito conhecido:

Baa, baa, black sheep,
Have you any wool?
Yes, sir, yes, sir,
Three bags full;

One for the master,
And one for the dame,
And one for the little boy
Who lives down the lane.

nessas horas, a questão que se coloca ao tradutor, a meu ver, é manter o foco no principal. aqui, o principal é acompanhar os aspectos destacados pelo autor. um deles, por exemplo, é o fato de que todas as palavras, salvo três (masterlittle lives), são ou contam como monossílabos. outro é que são versos trocaicos, isto é, com a tônica caindo na primeira sílaba do pé. outro, além do metro muito rigoroso, um padrão de rimas bastante solto, além de toantes como dame lane. e ainda o léxico extremamente simples e a sintaxe idem, e mais outras considerações de ordem variada. é sobre isso que eagleton discorre, e escolheu esse recitativo infantil apenas para ilustrar aspectos mais gerais.

assim, o que faço eu: um literal "béé, béé, carneiro preto"? ou, como em algumas traduções, "béé, béé, carneirinho"? isso não teria o menor sentido, pois resultaria em algo, em toda e qualquer hipótese, muito afastado dos aspectos morfológicos, sintáticos, semânticos, líricos etc., que interessam ao autor. 

mantenho, portanto, o poeminha no original, coloco logo abaixo dele, entre colchetes, uma tradução mais ou menos literal, com os versos separados por barras, e posso prosseguir tranquilamente com a dissecação apresentada por eagleton, reproduzindo em inglês um ou outro termo avulso em que ele vem a se deter mais demoradamente.

e não há nenhuma dúvida: há perdas em tradução, claro, sempre, evidente. mas que ao menos se escolha o que perder e o que preservar.


para outros comentários sobre o processo de tradução de how to read literature, veja o blog de acompanhamento, "como ler literatura", aqui.