03/06/2024

história viva


Relembra Ivo Barroso:
Em fins de 1958 eu dava meio expediente de manhã na Editora Delta, na travessa do Ouvidor, enquanto trabalhava à tarde no Banco do Brasil, onde entrara por concurso em 1954. Não me lembro bem como fui parar nesse outro emprego (sem carteira assinada), mas na época procurávamos por todo canto quem nos desse verbetes ou artigos para traduzir. Um dos sócios da firma, Dr. Pedro Lorch, estava preparando uma enciclopédia infanto-juvenil, Nosso Mundo Maravilhoso, com base na edição americana do “World Book”. Fui trabalhar diretamente com ele e atuava sozinho na biblioteca da editora, que ocupava um lugar de prestígio no 4º andar, com ar refrigerado e tudo. Minha função: secretariar as reuniões dos conselheiros da enciclopédia – Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Péricles Madureira de Pinho, Otto Maria Carpeaux e outros cinco figurões, que rodeavam a mesa de trabalho presidida pelo editor-mor, Abraão Koogan. Cada capítulo do original americano era analisado por eles, que o consideravam apto para tradução ou sujeito a adaptação para o público brasileiro. Eu tomava nota das resoluções (de início sem saber para quê), me sentindo no topo da glória em meio ao que havia de mais representativo da cultura brasileira de então.[...] 
Eu ia ficar sem o “bico” que, confesso, graças à proteção de (são) Pedro Lorch, era bem remunerado. Por isso, vibrei quando me garantiu que eu não sairia da editora, talvez apenas da biblioteca. E a minha catedral refrigerada e silenciosa, onde eu fazia as minhas pesquisas e condensações, se viu um dia, de repente, invadida por uma turma ruidosa e descontraída que vinha criar a revista Senhor. O redator-chefe era Nahum Sirotsky que fumava cachimbo e dizia okie dokie para o Ivan Lessa, o Luiz Lobo e o Paulo Francis, todos empolgadíssimos como que antevendo a revolução gráfica que iriam causar no mundo editorial. Diferentemente do que ocorrera na enciclopédia, eu agora me sentia de todo sem função no meio daqueles rapazes agitados que se comportavam como estrangeiros (ou pelo menos com a ideia que eu fazia de estrangeiros). Continuei a ter uma mesinha com máquina de escrever que era, quando necessário, também compartilhada com os dinâmicos redatores. Mas antes de sair o primeiro número, em março de 1959, eu já tinha sido “reconhecido” pelo Francis que me encomendou a tradução de As Neves do Kilimanjaro, de Hemingway, para sair no lançamento da revista. Ele gostou da tradução e até escreveu uma nota de abertura dizendo que o tradutor havia propositadamente usado os tratamentos tu e você na mesma frase para dar aos diálogos maior fluência e naturalidade. Ei-la:
 


Gaveta do Ivo, aqui